Não é simpática?

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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A onda conservadora no interior da esquerda

Boris Yeltsin: primeiro comunista, depois o punho-de-ferro da contrarrevolução

Atenção: o presente texto visa analisar a presença de uma crescente "corrente" misógina e LGBTfóbica dentro da esquerda e, por isso, cita posicionamentos misóginos e LGBTfóbicos de certos "comunistas", tomem cuidado no caso de não lidar bem ao ler esse tipo de coisa. 

Dentre o show de bizarrices que a reacionarização do pensamento político no Brasil, também chamada de "onda conservadora", nos oferece, está o fenômeno incomum e esquisito dos comunistas reacionários. Entre aqueles que acompanham os grupos da internet de debates de esquerda, essas figuras são razoavelmente conhecidas: são comunistas radicalóides que se julgam o supra-sumo da ortodoxia, e que acusam o movimento feminista e o movimento LGBT, em seu conjunto, de reacionários e de pós-modernos.

Creio que o surgimento desse tipo de rato de internet - e, por sorte, a internet parece ser o único meio no qual esses sujeitos se aglomeram (mas será até quando? demorará quanto para que sigam os passos dos seguidores de Paulo Batista e saiam da internet para ir às ruas?) - também possa ser relacionada à onda conservadora tendo em mente que um fenômeno aparente não é necessariamente um fenômeno real. Nesse sentido, embora aparentem ser comunistas, esses sujeitos são mais um braço de sustentação do reacionarismo. É possível chamá-los, como fez uma querida amiga, de fascistas vermelhos.

Cabe fazer aqui, porém, uma importante ressalva: o fato desses sujeitos estarem contaminados pela ideologia conservadora não significa que eles não são diferentes ou não possam ter atritos com os grupos abertamente fascistas. Trocando em miúdos: a realidade é dialética, tal como é o processo de consciência - mesmo quando se configure em retrocesso da consciência - e, assim sendo, é totalmente plausível que um "comunista" reacionário jogue um papel razoavelmente importante em algumas frentes de combate ao fascismo (como sendo, por exemplo, um dos principais divulgadores da luta antifascista na Ucrânia).

Façamos uma recapitulação. A onda conservadora se caracteriza pelo fato de que o pensamento reacionário começa a penetrar em amplos setores da classe trabalhadora - sendo que antes estava relativamente reservado às camadas médias - e é causada, dentre outras coisas, pelos 12 anos de conciliação de classe do governo petista, que desarmaram politicamente a classe trabalhadora e a deixaram à mercê de lideranças direitistas na busca por alternativas às precárias condições da vida real.

Mas há um aspecto igualmente importante ao aumento dos votos em Aécio Neves, e que costuma ser esquecido, que caracteriza a onda conservadora: o aumento de assassinatos de membros das minorias sexo-diversas. 

Segundo a associação Grupo Gay da Bahia (GGB), o número de assassinatos de LGBTs quase que triplicou em cinco anos no Brasil e passou de 122 casos em 2007 para 336 em 2012. Segundo o relatório anual do GGB de 2013-2014, foram documentados 312 assassinatos de gays, travestis e lésbicas no Brasil: um assassinato a cada 28 horas, representando um aumento de 14,7% desde a posse da Presidenta Dilma. Apenas em Janeiro de 2014 foram assassinados 42 LGBT, um a cada 18 horas. Além disso, 40% dos assassinatos de transexuais e travestis no ano passado foram cometidos no Brasil, segundo agências internacionais.

Confrontemos, agora, esse quadro com o que vem dizendo um certo "comunista" em seu blog pessoal: 
Levy Fidélix, mesmo com as suas repugnantes posturas anticomunistas, teve coragem de dizer o que um verdadeiro marxista diria sobre a ofensiva e a opressão ideológica dos grupos homossexualistas. O grande filósofo alemão Karl Heinrich Marx, aclamado o maior filósofo de todos os tempos em pesquisa da BBC, chamou as teorias uranista que hoje são impostas a nós quase sem contestação, de "obscenidades disfarçadas de teoria", foi mais além, referiu-se à Karl Ulrichs como uma "bichona", dado o nível abominável de suas teorias. (In: "Homossexualismo ou morte", uma nota sobre a polêmica em torno do candidato Levy Fidélix)
Em suma, para o autoproclamado comunista em questão trata-se de recuperar, não o método de Marx, mas as posturas de Marx com relação a toda e qualquer esfera da vida privada - mesmo que, para isso, seja necessário abandonar completamente o materialismo dialético... afinal, há algo mais anti-dialético do que se apegar, como um padre, às escrituras sagradas de um deus? Essa postura renega o método marxista e, portanto, não é ortodoxa, mas fruto de uma heterodoxia vulgarizante, fundamentalista e reacionária. 

Resgatemos aqui a forma como Domenico Losurdo distinguiu, em seu Fuga da História?, os comunistas alemães que se defrontaram com o Terceiro Reich: 
Mesmo nos anos mais obscuros do stalinismo, o movimento comunista internacional desempenhou um papel progressista, e não apenas nas colônias, mas também nos países capitalistas avançados. Vejamos primeiro o que aconteceu no Terceiro Reich. O filólogo judeu Viktor Klemperer descreveu em termos dilacerantes os insultos e as humilhações que sofriam os que usavam a estrela de Davi. No entanto (...) comenta com afetuosa ironia que a desafiar o regime estão "bravos diabos que cheiram a comunismo a um quilômetro de distância"! (Losurdo, 1997. p 47-48)
O que distingue o movimento comunista, durante a barbárie nazista, é seu furor revolucionário em defesa dos direitos universais da humanidade - assim argumenta Losurdo. Daí podemos concluir que a postura de nossos "comunistas" que defendem, indiretamente, a calamidade que é a morte de um LGBT a cada 18 horas envergonha e desonra o movimento comunista, e que portanto nossa única atitude perante eles deve ser a de depuração: não, não são comunistas! 

A onda conservadora coloca questões difíceis aos revolucionários - a penetração da ideologia reacionária não só entre os trabalhadores, mas também entre nossas fileiras torna bastante difícil o trabalho de agitação e propaganda. Sejam quais forem os métodos pelos quais resolveremos essa dificuldade, é preciso reconhecer esse quadro: há sim uma reacionarização da política no Brasil, e ela vem acompanhada pela infiltração de posturas anti-universalistas até mesmo dentro do movimento comunista (e contra ele)!

domingo, 9 de novembro de 2014

Sobre onda conservadora


Creio que é necessário, mais do que lamentar-se pela concreta e real eleição de um parlamento ultrarreacionário, refletir sobre que via nos levou a essa situação, para que possamos pensar em, talvez, sair dela.

"O reformismo é a antessala do fascismo, não do socialismo"

Essa máxima, expressa em um documentário recente produzido por um partido comunista chileno sobre a queda de Allende, reflete uma tese clássica do pensamento marxista sobre a ascensão de governos e tendências fascistas: elas são fruto, em grande parte, da falta de alternativas colocadas pelas lideranças sociais-democratas anteriores.

No caso brasileiro, é válido pensar dessa forma. Porém, é preciso levar em conta que existem especificidades colocadas. Alguns pontos a se considerar são:

1 - A estratégia petista se alça no "acúmulo de forças" institucional como maneira de conduzir à realização de reformas estruturais que melhorem as condições de vida das massas trabalhadoras. Esse acúmulo de forças passa por um leque de alianças que, na trajetória petista, foi se abrindo mais e mais - a ponto de abrigar sob sua asa os setores mais reacionários da política nacional, como a bancada fundamentalista e setores do agronegócio e do latifúndio.

2 - Apesar da fraseologia oca dos governos petistas de que a crise de 2008 não chegou ao Brasil (e, de certa forma, realmente não atingiu o país com a mesma intensidade que em outros locais), as consequências do fim da crise também foram aqui sentidas: aqui também, os trabalhadores pagaram a conta. Basta ver, por exemplo, que na tão alardeada política de "valorização do salário mínimo" do governo, o ano de 2011 teve o dado mais enxuto: o ganho foi de 0,37%¹. E no mais, a crise mundial do capital foi (foi, não é) mundial (ora porra!), e portanto atingiu a todos os países do Globo (até a China). Assim sendo, o avanço do pensamento reacionário não é apenas nacional, mas mundial: Brasil, França, Grécia (essa contando com um vertiginoso e feliz crescimento paralelo do movimento operário) e Ucrânia, essa última contando inclusive com um governo de extrema-direita.

3 - Se existe alguma reviravolta proveniente da contrarrevolução internacional (eufemisticamente substituída pelas expressões "queda do muro" ou "desintegração da URSS") essa reviravolta é extremamente negativa. Isso se reflete, claramente, no movimento operário, em cujo seio as ideias revolucionárias entraram em crises e foram jogadas à escanteio. O proletariado brasileiro, porém, se levantava enquanto o restante do proletariado mundial saía de cena. A consolidação de um projeto que se apegou à institucionalidade é a expressão político-teórica de um proletariado que empunhava sozinho a bandeira vermelha do trabalho. A devir-morte desse projeto não pode levar senão à crise de tudo que é progressista, à reedição a nível nacional da contrarrevolução internacional: mais uma vez, a história acaba e é hora de dar adeus ao proletariado. Ele deve sair de cena, pois mostrou-se incapaz de nos conduzir senão à barbárie.